segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Clarice me entenderia.

Um mundo fantástico me rodeia e me é. Ouço um canto doido de um passarinho e esmago borboletas entre os dedos. Sou uma fruta roída por um verme.Espero o apocalipse orgásmico. Uma chusma dissonante de insetos me rodeia, luz de lamparina acesa que sou. Exorbito-me então para ser. Sou em transe. Penetro na circundante. Que febre: Não consigo parar de viver. Nessa densa selva de palavras que envolvem espessamente o que sinto e penso e vivo e transforma tudo o que sou em alguma coisa minha que no entanto fica inteiramente fora de mim. Fico me assistindo pensar. O que me pergunto é: Quem em mim está fora até de pensar? Escrevo-te tudo isso pois é um desafio que sou obrigada com humildade a aceitar. Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico - a vida é sobrenatural. E eu caminho em corda bamba até o limite do meu sonho. As vísceras torturadas pela voluptuosidade me guiam, fúria dos impulsos. antes de me organizar, tenho que me desorganizar inteiramente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Água viva - Clarice Lispector


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