segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Superfície.

        Dado um tempo perdido no espaço tudo se empoeira, embaça, a imagem vai se desfigurando em meio ao pó, a memória tem prazo de validade e se valida por muito pouco tempo, a superfície empoeirada vai dando aspecto a outra imagem que se recobre e se refaz a cada dia, a solidão é companheira sagaz, tenaz, não se compartilha dor e não há algo mais angustiante do que ser aquele em que sente tudo só pra si, sou a matéria  prima recoberta de poeira, sou a foto que perdeu a cor em um álbum perdido, a efemeridade das coisas me espanta, a rapidez dos sentimentos volúveis, somos estações que ficam quando o trem parte, guardo um pouco de tudo que se vai e deixo um pouco de mim por onde passo, sou mais nostalgia que otimismo, a superfície empoeirada esconde e maquia o brilho de outrora, mas eu sei que não apagou nada, ainda existe o brilho, ele está lá na distancia de uma polida macia e breve ou mesmo de um sopro, a maleabilidade dos sentimentos é sagaz, te impulsiona e também te traga, o que me leva a pensar que a vida é amar sem querer pra si, é sentir o máximo possível o objeto/momento ali em mãos, pois não mais tardar poderás não tê-lo mais, é apreciar a vista sem a ganância de querer abarcar tudo em braços, meu medo é que a moral da história de vida seja bem triste, tipo a daqueles filmes que sem sentido, em que o mocinho morre e a sua amada vive de lembranças do que já não é mais o que foi, porque ensinam a vida toda que toda história tem uma moral, qual será a moral da vida se no final tudo vira pó, a superfície e o que está por baixo dela, o que é visível e o que não se vê, os risos se calam e a lágrimas cessam, a vida é sentir e o não mais sentir é a morte e a gente ainda morre várias vezes ainda em vida, passamos por tantos lutos e percas, luto por projetos, amores, trabalhos, amigos que deixam de ser amigos, mudanças, luto de sentimentos que morrem diante a rotina, luto pela fé e esperança em coisas que não voltam, passada a chance na hora determinada, o superficial que está a vista, o que é mostrado é muito pouco diante da densidade de coisas que sentimentos durante míseros segundos, "a vida é curta" ou a vida é um curta-metragem que quando menos esperamos se esvai, risos maquiam tantas coisas e a superfície dos móveis na sala empoeirados são como eu, que foram lapidados e moldados para uma utilidade mas que agora acumulam poeira, o tempo é inexorável e diante dele tudo padece, a superfície resiste as lágrimas e risos mas não ao tempo que a enruga e a caleja, a superfície oscila e se move e sacode a poeira, cansa, para e aceita o pó sem regurgitar, de modo sucinto e calmo entrega-se, é sempre uma expressão, o que "tá na cara", mas será que dá pra traduzir nessas bordas externas, em bocas, olhos e franzidas de testa todo o movimento interno? Ou seria apenas uma gaiola a aprisionar um conteúdo que nem nós mesmos sabemos denominar? Um casulo a libertar uma borboleta ou apenas uma superfície acumulando poeira, e quem ou à quem fica encarregada a tarefa de lustrar? De remover a sujeira acumulado para que se enxergue de novo o brilho que estava lá?! Hoje eu não sei, mas quem sabe a janela aberta e o vento a entrar não retire toda essa poeira pela manhã ou mesmo um novo olhar sobre o móvel velho não o torne novo de novo, a relatividade suspensa no ar não acumula sob a superfície das coisas, mas concretiza possibilidades diante do tempo, a certeza é que sempre irá ter poeira acumulando o que muda é você ter coragem e força de sacudir tudo para poder seguir.

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